Olá, meus leitores do site novo. Sabem, eu tinha todo um texto preparado sobre um filme que achava muito bacana trazer para vocês hoje, mas, ao ler o texto do querido Marcio desta quarta-feira, que aliás, eu recomendo, eu resolvi também me posicionar. Pois ele tem razão: a classe artística (e o cinema nacional), estão sim nos roubando! E hoje eu vou lhe contar o motivo.
Para quem não me conhece, trabalhei durante muito tempo com cinema. Não com produção e criação artística, mas na área de negócios. E vou te dizer uma coisa, meu querido leitor: o cinema no Brasil nunca vai funcionar. Mas ele sempre vai te exigir mais e mais financiamento. E financiamento público. Do seu dinheiro.
Explico: no final dos anos 60 (mais especificamente em 1969), nós tínhamos a Embrafilme. Não pesquisei se antes haviam ferramentas públicas de fomento ao cinema, pois não tive tempo hábil de pesquisar, e esse típico mereceria uma atenção Premium, que eu venho chamando o Márcio para pesquisar e produzir em parceira já tem meeeeeses. Mas isso é outra questão. Vamos ficar aqui apenas com a Embrafilme.
Essa empresa era notória pelo desperdício de verba, pelos casos em que diretores e produtores faziam projetos, por exemplo, que se passavam em um apartamento, e no final o apartamento ficava para o diretor ou produtor. Malversação de dinheiro público na cara dura. Claro. Existiam produtores honestos, dispostos a fazer filmes bons. Mas o foco deve ser os ruins. Porque? Muito simples: o dinheiro era público. Então o bom, o honesto, nesse caso, não fez mais que a obrigação. E o desonesto deve ser punido. A Embrafilme durou até 16 de março de 1990, extinta pelo então presidente e sequestrador de poupanças, Fernando Collor.
A partir de 1995, tivemos a retomada, ou Cinema de Retomada, com a criação de novas leis de incentivo. O foco aqui não é a história das leis de incentivo, por isso estou apenas trazendo um breve histórico. A ideia aqui é mostrar que, de 1969 até hoje (2025), nós tivemos apenas 5 anos em que o cinema nacional não se manteve através de patrocínio estatal, de uma forma ou de outra. Nesses 56 anos, em 51 anos (se não tivemos outros sistemas antes de 1969), o cinema nacional dependeu de patrocínio estatal. Então é óbvio: isso daí não vai dar certo nunca.
Eu sei, eu sei: vocês vão me dizer que a França, a Inglaterra, a Alemanha, enfim, diversos outros países, até os EUA, tem alguma forma de incentivo fiscal ou de mecenato que financia o cinema de forma estatal. Ok. Mas isso não deve ser encarado como mérito. Primeiro, esses países são ricos. Então, embora isso não seja justo, ao menos esses países já tem uma malha rodoviária razoavelmente decente. Já têm saneamento básico. Não tem 60 mil mortes por homicídio todos os anos. Não têm facções criminosas que literalmente dominam áreas geográficas inteiras. Nesses países, pasmem, você pode andar na rua de noite com pouco, ou até nenhum, receio. Nenhum desses países é o Brasil.
Sendo assim, apenas com esses argumentos, já vemos que um país como o Brasil se dar ao luxo de gastar dinheiro público com cinema, já é um descalabro. Mas tem mais: a mesma turma que grita contra a desigualdade também grita por mais financiamento público do cinema (estou falando de cinema, pois é minha área, mas temos aí teatro, música, shows etc.). Mas eu te pergunto: que igualdade é essa? Meus queridos: pobre não produz cinema. A verdade é muito dura, mas deve ser dita. O cinema é uma arte cara. É produzir filmes. Ponto. Pobre não produz, dificilmente estuda, e mais dificilmente ainda busca o caminho de ser um profissional do cinema. Vá a qualquer faculdade de cinema. Busque quantos lá dentro são pobres. E mesmo que a gente tenha ongs que ensinem cinema para jovens de baixa renda, dificilmente esses jovens serão profissionais que possam viver exclusivamente da produção de cinema. Literalmente nós estamos pegando dinheiro público, dos pobres, para financiar uma atividade quase recreativa de gente rica. Se esse argumento não te sensibiliza, eu não sei mais o que escrever.
Mas eu sei que as pessoas vão dizer: mas o financiamento público do cinema gera empregos. Ora, claro que gera. Mas não geraria se tivesse financiamento privado? Além disso, pela questão ética, você não pode financiar empregos tomando dinheiro dos outros. Simplesmente não pode. Não é justo para com as pessoas. E além disso, pensando apenas economicamente, você está gerando empregos. Ok. Mas você está gerando lucro, divisas, ou está circulando o mesmo dinheiro de um lado para o outro? Porque você pegou um dinheiro que foi tomado pelo Estado, e que iria para, vamos ser otimistas, saúde, educação, segurança, e você deu para cineastas. Então não foi uma troca voluntária. Uma compra de ingressos. Foi apenas uma movimentação fiscal. Esses empregos são artificiais. É uma redistribuição do mesmo bolo, digamos.
Caramba, nós somos um país de mais de 200 milhões de pessoas. Um mercado consumidor tremendo. Será que a gente é incapaz de formar público para os nossos filmes?
Sim, somos. E a resposta está na mentalidade por trás de quem está produzindo.
Veja, uma vez, em sala de aula, eu dei o seguinte argumento: não adianta nada o diretor criar filmes difíceis, super cabeça, que o público não quer ver. Seria muito mais inteligente esse mesmo diretor fazer um filme comercial, que gere lucro. E depois outro. E depôs outro. Nessa, seu nome ficaria conhecido, e, quando ele estivesse grande, ele poderia fazer um filme mais complexo, mais artístico, e seu público iria ver. A lógica é simples. Nem preciso dizer que esse argumento não foi bem recebido entre os alunos de um certo espectro político da sala. Ou seja, a grande parte dos realizadores não tem interesse na construção do público. Nosso cinema se preocupa muito mais em fazer representar os sentimentos, as ideologias e os interesses dos cineastas, do que em criar historias de apelo popular. Dessa forma, não há conexão entre os realizadores, e o público que supostamente deveria consumir seu cinema. Então, o que resta? Incentivo público e desculpas esfarrapadas.
A culpa é dos americanos, que ocupam nossas telas. Bitch, please! Não tem a menor possibilidade de, se os filmes americanos não agradassem ao público, eles fizessem o sucesso que fazem no Brasil. E o inverso é completamente verdadeiro: se os filmes nacionais apelassem de verdade aos brasileiros, eles seriam consumidos VOLUNTARIAMENTE. Você não precisa obrigar ninguém a ir ao cinema para ver o Homem-Aranha. As pessoas vão por que querem. Agora, você precisa obrigar as pessoas a ir ver o cinema produzido no Brasil. Seja com cota de tela, que é uma violência contra os empreendedores donos das salas de cinema. Agora, com a imposição de ter filme nacional no streaming, o que é ridículo. Aliás, hilário: no artigo excelente (mas meio mal educado) do querido Márcio, ele colocou um vídeo da vod12, algo assim, o vídeo dos artistas pedindo 12% de imposto para as plataformas de streaming, e em determinado momento, um desses caras diz: nós estamos lá, mas não aparecemos. Ué? Tem um menu inteiro dizendo cinema brasileiro na Netflix. Você não se vê porque você nem procurou, meu caro.
A questão é essa: o público não se importa com a nacionalidade do filme, desde que o divirta. Mesmo os filmes mais difíceis, ainda têm a função do entretenimento em primeiro lugar. Se você não entrega o produto que as pessoas querem, elas não vão comprar. Não há governo, lei, regulação, nada, que mude isso. E isso é comprovado: quando o primeiro Tropa de Elite fez sucesso, o que aconteceu com o segundo? Um sucesso ainda maior. Você entregou um produto que as pessoas quiseram ver. É simples. As pessoas querem ver Homem-Aranha. Elas vão ver Homem-Aranha. Elas não querem ver a vigésima crítica à ditadura militar com viés de esquerda do ano. E elas não vão ver. Ao menos que vocês às obriguem, elas vão ver o que elas acharem melhor para si mesmas. Isso, meus caros ex-colegas cineastas, se chama Liberdade.
Finalizando: a junção da mentalidade anti lucro do cineasta, e da facilidade de alguns (e dão muito poucos que pegam a grana alta. E isso é uma máfia, saibam disso) em pegar verbas a perder de vista, sem ter que devolver quando o filme fracassa, gerou um sistema cujo fracasso, meus queridos leitores, se torna sucesso. É a retro alimentação do fracasso. Você pode pegar mais e mais dinheiro para fazer mais e mais filmes que ninguém quer ver, e depois reclamar e pedir mais e mais dinheiro para manter essas mesmas pessoas produzindo (e enriquecendo) às custas de pessoas pobres, sem o básico para se viver. E esse círculo vicioso se retroalimenta infinitamente, apoiado em um coitadosmo de gente rica, cafona e pretensiosa, que, parafraseando meu amigo Márcio, não conseguiria produzir um filme bom nem para salvar a própria vida.
Meus queridos, existem muitas coisas que poderiam ser abordadas aqui, mas não quis deixar esse texto muito longo. Esse meu espaço aqui é para tratar de cinema clássico, que eu amo tanto. Mas algumas coisas devem ser ditas. Se vocês quiserem ler uma reportagem profunda sobre isso, cobrem o Márcio para começarmos a escrevê-la. E se vocês quiserem acrescentar algo que eu deixei de fora, ou mesmo trazer o clássico comentário de que dinheiro de lei não é público, pois é uma empresa privada quem está financiando (spoiler: é dinheiro público), fiquem a vontade. Criei sua conta, grátis, e comente aqui embaixo. E se você gostou do texto, considere curtir. Isso ajuda .jeito ao colunista. Até a próxima. Beijos.