Arena “Novo Anhangabaú” adaptada como palco para o projeto “X”
Eles são naturais da Suíça — e, ao que parece, trouxeram uma massa polar ao centro de São Paulo. Não pela frieza ou falta de encanto, mas para mostrar o quanto pode ser poderosa a vibração produzida por uma avalanche sonora. Me senti coberto por uma camada musical descomunal.
A acústica foi construída em um espaço amplo, com dimensão generosa de pista, cercado por paredes colossais formadas pelos edifícios do centro da metrópole. Só mesmo um caldeirão de concreto e vidro como esse para acolher uma força sonora tão avassaladora. Um trabalho técnico que merece aplausos e reverência. Mesmo ao irmos até a praça de alimentação ou aos banheiros (ao fundo), continuávamos com boa audição do que acontecia no outro extremo do Vale do Anhangabaú.
O espaço não se limitava ao palco — havia uma cenografia em forma de U que abraçava cerca de 300 metros da pista. Isso criava uma orientação clara e generosa, até para quem estivesse do meio ao fundo. Em determinado momento, estivemos bem próximos do palco e sentimos toda a potência das ondas sonoras colidindo com nossos corpos. Mas, quando resolvemos ir ao bar, notamos algo curioso: a experiência parecia ainda mais completa próximo ao limite das duas torres que funcionavam como um portal cenográfico. Ali, o som chegava refinado, filtrado pela massa humana — o que dava mais nitidez aos detalhes sensoriais.
Chamo atenção para o declive do piso do Vale: ele começa mais alto, no Viaduto do Anhangabaú (entrada), e segue numa suave descida até a altura do Teatro Municipal, onde o palco se posicionava em estrutura ligeiramente elevada. Esse desenho cria uma sensação de plateia em arena, favorecendo quem está ao fundo, que consegue ver bem os painéis de LED e os dispositivos de iluminação espalhados pelo komplexo.
Apesar do impacto visual, todo o conjunto de estruturas seguia uma estética minimalista. As armações metálicas e as torres de luz em forma de monolitos pareciam discretas diante do cenário urbano. Mas, quando ativadas em sua plenitude, o resultado foi impressionante: som que preenchia todo o espaço e uma iluminação intensa que rasgava o céu.
Digo “resultado em sua totalidade acionada”, pois antes do duo Adriatique assumir a mesa de som, tivemos pouca interação de luz cenográfica e um som mais brando em cada apresentação que veio antes das 03:00h da madrugada. Cada atração que passou por nós teve sim uma identidade visual específica, formada com detalhes luminosos e sutis padrões nas projeções nos totens de LED. Mas quando o relógio bateu três da manhã de domingo, o cenário se acendeu em grandiosidade gráfica e sonora. O som triplicou em altura (sem distorções), como se os suíços tivessem guardado tudo para si. Dali em diante, veio a avalanche sonora — precisa, profunda, de cair o queixo.
Agora, sobre com o que esse caldeirão foi preenchido, já é outra história
Em minha ínfima opinião, eles foram bobões em planejamento de horário extenso demais, o que me desenhava uma sensação de festival (12 horas de apresentações), mas como o duo marcou sua chegada para a madrugada já do domingo, o espaço começou a encher mesmo à partir das 23:30h. O que me parece ser um subaproveitamento das outras atrações anunciadas, mas descomunais na sua própria apresentação – que seguiu até o amanhecer do domingo.
Tive uma sensação de que o enredo estava sendo resguardado para Adriatique. Então afirmo que até eles chegarem, não era a festa ainda, mas sim “uma sala de espera bem animada”. Estávamos o tempo inteiro esperando pelos “bunitus” – os donos da porra toda. Eu que cheguei às 22:30h, me senti assim, fico imaginando quem se atreveu chegar às 18:00h, quando teríamos o primeiro DJ Riascode. Também não assisti a fantástica Curol (20:00h) e só pegamos o finalzinho do duo Pole Position (das 21:30h às 23:00h). Esperto foi meu amigo Rogério, que chegou meia noite, só depois ter ido ao cinema e restaurante.
Quando o DJ Rivo entrou às 23h, pensei: “Agora começa!”. Mas não foi bem isso. A primeira hora do set de Rivo foi desconectada — faltou coerência entre as faixas, aquela progressão gostosa de pista. Mas a última hora foi outra história: energética, alegre, esquentou a madrugada gelada com maestria.
Quando alcançamos “uma da matina”, a DJ turca-italiana Carlita assume a mesa desta festa gigantesca. Ela não se fez de boba e lançou muito deep, tecno e um tanto de tribal, com camadas de punch sonoro bem definidos (para ela aquilo nunca foi brincadeira). Penso que foi um set também quebrado em evolução (estilos demais para serem emendados na nossa cabeça), mas num geral, gostei do quanto ela foi ousada na proposta e aplaudi feliz ao final.
E como já dito, a seguir entraram os dois Adrians – Adrian Shala e Adrian Schweizer são os nomes que formam a dupla Adriatique, donos desse projeto chamado “X”. Com essa turnê atravessaram grandes distâncias pelo globo: Atenas, Istambul, Beirut, Avignon (França), Cairo, Nova Iorque, Dubai, Tulum, Amsterdam, Londres, Santiago do Chile, Buenos Aires, Tel Aviv, Zurich e São Paulo. Essa turnê está nos trilhos desde 2023, e aterrizou o “Show do X” em Sampa no setembro de 2023 – o local foi o fantástico complexo ARCA (zona oeste paulistana).
Aqui no Brasil já haviam passado em março deste ano com essa mesma temática pelo Rio de Janeiro, onde foram delicados na escolha do lindíssimo Museu do Amanhã debruçado sobre a Baía de Guanabara, mas modestos na capacidade de pessoas. Digo modestos, se compararmos os públicos que arrastam pelo mundo. Mas esse evento será sempre lembrado pelo icônico B2B com o expoente brazuka Vintage Culture – o que assisti de vídeos foi de babar em visual aliado ao som.
E sobre esse começo de domingão, aqui no Anhangabaú, eles não fizeram uma locomotiva sonora que muitos bons DJs sabem fazer. Eles foram além, já que criaram uma avalanche sonora sobre nós – potência avassaladora, com um timbre realmente violento, mas sem histeria. Suspirei só de lembrar na sensação musical que vivi ao lado de grandes amigos – se com eles “qualquer furada de R$ 40” pode ser suportada, imagina uma de R$ 250 + 01kg de alimento. Assistimos até às 05:00h (duas horas da apresentação do duo, que passaram de 05 horas tocando) e fomos embora quebrados no físico, porém bem abastecidos de música bem tocada. “Que Show Da Xuxa foi esse?”
Nota para essa zona toda: 07 de 10 – porque que sou exigente. Pega essa visão: palco monumental, som refinado e muita espera até o impacto. Podem melhor na próxima (e que não demorem para remarcar essa repescagem, por favor).
OS 1: Eu estou até agora pensando como será eles pronunciando A-NHAN-GA-BAÚ.
OS 2: Eu queria mesmo, era assistir o DJ Chris Cox assumindo aquele arsenal sonoro todo – se vocês não sabem quem ele é, a culpa não é minha.
Vida longa ao som bom (em bom som).
Leollo Lanzone