Existe um tipinho de gente, tipo eu, que escuta música com o corpo inteiro. Que percebe texturas nos beats, volume na nuance, cor no silêncio entre as notas. Para os audiófilos, ouvir música em ótima qualidade sonora, é mais do que uma simples atividade: é um rito, uma entrega. Não se trata de consumo, mas de conexão com a vibração que absorvemos nas audições. A música, quando bem captada e com boa gravação, poderá nos gerar uma bela audição. Daí em diante, se torna parte da nossa pele, se torna presença.
E ainda assim, paradoxalmente, a sociedade humana vive uma era em que o som escorrega por entre dedos apressados. Pulam-se faixas, aceleramos vozes (x1,5, x2,0), temos facilidade em filtrar playlists em algoritmos que conhecem nossos hábitos, mas não nossos afetos. Há uma pressa sonora — uma ânsia de preencher o fundo de tudo com alguma trilha — que pouco ou nada nos convida à escuta profunda.
Nesse cenário de ruído e dispersão, a pergunta que paira é simples: quem estamos ouvindo, de fato? Mais do que ouvir músicas, é urgente reconhecer quem as cria. O futuro da música dependerá do reconhecimento que entregamos hoje aos produtores de conteúdos sonoros e musicais. São eles que desenham atmosferas, abrem portais, conduzem revoluções invisíveis. E no entanto, quantos nomes você consegue lembrar do último disco que te atravessou?
A qualidade da escuta reflete a qualidade da presença. Há beleza em preferir o que é significativo ao que é abundante. Optar por menos faixas e mais sentidos. Por menos janelas abertas e mais profundidade no mergulho. Escolher qualidade sobre quantidade é uma decisão estética, ética e existencial. É reconhecer que a experiência sonora, assim como o tempo, só revela seus segredos a quem desacelera.
Nesse processo, o corpo que é um eterno ouvinte, se afina. Quando partes do corpo estão em ressonância, o corpo não precisa ser forçado a trabalhar — ele age sem esforço, como se estivesse perfeitamente sintonizado com o momento. O som certo, no tempo certo, em sintonia com quem somos. Isso não se compra, não se automatiza. Isso se cultiva, se aprende com tempo e dedicação despretensiosa.
Desejo que a música esteja com você na forma de uma bússola diante do caos contemporâneo. Que não seja só trilha de produtividade ou válvula de escape, mas gesto vivo. Que seja escolha. Que seja reencontro com o tempo, com a sensibilidade, com a autoria.
Alta fidelidade não é só sobre equipamentos. É sobre intenção. Sobre o modo como afinamos nossos sentidos para escutar o mundo — e sobre como devolvemos dignidade a quem o sonoriza. Honre seu tempo de escutar com presença. E quando isso acontece, há silêncio que dança, há ruído que cura, há som que salva (nem que seja para salvar o seu dia).
#FicaLokaMaisNãoFicaBurra – uma pessoa loka, mas não uma pessoa burra.
Vida longa ao som bom (em um bom som).