Se alguém dissesse, lá pelos anos 2000, que os discos de vinil voltariam a girar com força total, seria encarado com ceticismo. Em plena era do streaming, da inteligência artificial e dos algoritmos que adivinham nossos gostos antes mesmo de sabermos quais são, por que voltar a um objeto grande, frágil, que exige cuidado, ocupa espaço e só toca umas poucas músicas por lado?
Mas a resposta pode estar justamente aí. A volta dos discos é, ao mesmo tempo, fetiche e revolução — um movimento que aponta tendências sociais, mercadológicas e afetivas que desafiam a lógica da velocidade e da praticidade digital. O vinil voltou porque tem gente querendo desacelerar as rotações do cotidiano. Não precisa ser só um grandes cidades, pois desde a invenção de caixas de som portáteis (tipo JBL com rodinha, manja!?), que o os recantos do mundo podem também ser tomados por azucrinados e seus beats impositivos e ignorantes – isso é onde o digital pode ir se tivermos conexão banda larga.
Então, nos parece que não é um retorno nostálgico, limitado a saudosistas. Há uma nova geração que sequer cresceu com toca-discos em casa, mas agora lota feiras de vinil, segue selos independentes que lançam álbuns exclusivos em LPs coloridos e frequenta lojas e bares Hi-Fi em busca de experiências de escuta autênticas. Li outro dia algo que achei muito pontual: Para muitos, ouvir um disco é uma forma de hackear o algoritmo — uma espécie de desaceleração analógica em meio ao caos digital.
Produções que nascem para o vinil
A indústria da música percebeu a possibilidade desse movimento. Hoje, muitos artistas pensam seus lançamentos considerando o formato do vinil desde o início. Isso não significa apenas prensar um disco após o sucesso no digital, mas organizar o repertório de forma que cada lado do LP tenha início, meio e fim — como um capítulo musical. A estética da capa, o encarte com letras e créditos, tudo isso volta a ganhar valor e vira parte do ritual de escuta. Para selos independentes e artistas alternativos, o vinil virou símbolo de autenticidade e objeto de desejo.
No Brasil, existem três fábricas de discos de vinil: Polysom, Vinil Brasil Discos e Rocinante Gravadora. Essas gravadoras produzem discos de vinil de alta qualidade, com uma história e características únicas para cada obra – achei um vídeo bem bacana sobre o tema no perfil do Universo do Vinil (link para Youtube).
Mas o culto ao usado nunca morreu
Paralelamente, o mercado de usados que sempre caminhou lento e constante, hoje vive uma explosão. Colecionadores trocam raridades em grupos online e feiras físicas, lojas especializadas florescem nos centros urbanos e bares com toca-discos de alta fidelidade surgem como pontos de encontro para amantes da música. Esses espaços — parte do segmento chamado Hi-Fi Culture — não são apenas lugares para beber: são ambientes para ouvir com atenção, conversar sobre álbuns e redescobrir clássicos e obscuridades em meio ao chiado caloroso do vinil.
Há um aspecto comportamental em jogo: a busca crescente por experiências offline. Ouvir um disco exige presença. Você precisa virar o lado. Não dá para pular a faixa com um clique nervoso. Não há playlists infinitas, nem anúncios entre as músicas. O vinil impõe um ritmo próprio — e talvez, por isso, tenha voltado com tanta força. Em tempos de burnout digital, o disco se tornou um manifesto silencioso: desacelerar também é revolucionário.
Que tal dar um Google na sua redondeza, com palavras: “feira de discos” ou “discos de vinil”? Há de ter esse ambiente de raridades e novidades, mais perto do que você pensa. Tente também: “toca discos novos e usados” ou “aparelhos hi-fi” – os resultados podem surpreender pelo tamanho de oferta e pontos de garimpo (no Instagram também vi perfis bem bacanas focados no tema) para aparelhos vintage, seminovos ou novíssimos.
Esse movimento também vem impactando o mercado de equipamentos. A venda de toca-discos novos cresceu — de modelos de entrada a aparelhos high-end com cápsulas de precisão suíça. Mas há também um nicho paralelo: o retorno das fitas cassete e de rádios com toca-fitas embutidos. A música não digital, com suas imperfeições e limitações físicas, passou a ser valorizada como expressão estética. E lojas de eletrônicos vintage e sebos musicais voltaram a ser frequentados por jovens em busca de algo que não se encontra no Spotify.
Entre o ritual da audição e o ruído da agulha, no fim das contas, a volta dos discos é tudo isso: resistência estética, consumo com afeto, movimento cultural e sinal dos tempos. É revolução silenciosa em 33 rotações por minuto. E talvez, apenas talvez, seja também um lembrete de que ouvir — de verdade — nunca saiu de moda. Só estava esperando seu tempo voltar.
Vida longa ao som bom (em bom som).
Leollo Lanzone